Como atuam agulhas não medicadas, inseridas em locais distantes do local de aplicação desejado? Por que colocar uma agulha na parte inferior da perna, por exemplo, afeta a função gástrica? Segundo estudos anatômicos, os acupontos estão localizados em sítios que ficam entre ou nas extremidades de grupos musculares.
Um estudo demonstrando o mapa de uma via-meridiano envolveu injeção de tecnécio-99 em acupontos verdadeiros e simulados (inserção de agulha a profundidade mínima, em sítios distantes dos pontos de acupuntura tradicionais). As varreduras demonstraram a difusão aleatória do traçador em torno dos pontos simulados, porém a rápida progressão do traçador ao longo do meridiano, a uma velocidade inconsistente com o fluxo linfático/vascular ou com a condução nervosa no acuponto verdadeiro.
Em outro estudo, foi demonstrado que a colocação de agulha em um ponto localizado na parte inferior da perna tradicionalmente associado ao olho ativou o córtex occipital do cérebro, conforme detectado por imagens de ressonância magnética funcional.
Foram postulados diversos mecanismos de ação.
Opiáceos naturais
A colocação de agulhas afeta as concentrações no liquido cerebrospinal (LCS) de substâncias opiáceas de ocorrência natural: dinorfina (atuação ao nível espinal), endorfina (atuação junto ao cérebro) e encefalina (atuação nos níveis cerebral e espinal). as endorfinas e encefalinas são potentes bloqueadores ou moduladores da dor, surgindo a partir do sistema musculoesquelético. A dinorfina é um potente modulador de dor visceral, e tem efeito mais fraco sobre a modulação da dor musculoesquelética.
As noções mencionadas foram sustentadas por experimentos de perfusão cruzada, em que o efeito analgésico induzido pela acupuntura foi transferido de um coelho doador a um coelho receptor, quando da transferência de LCS. A prevenção da analgesia induzida por acupuntura com o uso de naloxona e com antissoro contra endorfinas fornece suporte adicional para o envolvimento das endorfinas.
Teoria do neurogate
Similar ao mecanismo de ação da estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS) amplamente usada, a teoria do neurogate também propôs uma explicação para o bloqueio da dor. A estreita correlação existente entre os pontos de acupuntura locais para dor e os pontos de deflagração, conforme observado por Melzack, coautor da teoria do neurogate da dor, representa uma das principais convergências dos conhecimentos do Ocidente e do Oriente.
Liberação de corticosteroide endógeno
A presença de um corpo estranho (agulha) pode agir estimulando fatores vasculares e imunomoduladores, incluindo fatores inflamatórios locais. Foram demonstrados níveis elevados de hormônio adrenocorticotrópico após tratamentos de acupuntura, sugerindo que também pode haver ativação suprarrenal e liberação de corticosteroides endógenos.
Emaranhado miofibrilar
A acupuntura pode induzir relaxamento de miofibrilas “emperradas” junto aos planos teciduais. Acredita-se que isto tenha efeito similar ao da injeção de trigger pontos dolorosos (um procedimento comumente realizado nas clínicas de dor).
Fluxo sanguíneo local
Foi postulado que a acupuntura, ao causar minúsculos traumatismos em uma área do corpo, pode intensificar o fluxo sanguíneo local para a área circundante. Isto pode iniciar ou catalisar o processo curativo.
Via de analgesia mesolímbica
A via mesolímbica é uma das vias neurais do cérebro que liga a área do tegumento ventral, no mesencéfalo, ao núcleo accumbens, no sistema límbico. É uma das 4 vias principais, em que o neurotransmissor dopamina é encontrado e produz uma sensação agradável, mediante estimulação.
Foi proposto que, em pacientes com dor crônica, a alça mesolímbica está em estado de desequilíbrio.
Após um período relativamente breve (30 minutos) de estimulação com TENS ou EA, uma reverberação autossustentada é configurada, causando uma reconfiguração das vias de modulação da dor. Esta teoria pode ser responsável pelos efeitos analgésicos a longo prazo observados com frequência na prática clínica.
Aplicações clínicas
A indicação mais comum é para a dor crônica irresponsiva à terapia padrão, em que outras opções foram esgotadas.
É usada frequentemente como último recurso para aliviar a dor, devido às evidências inconclusivas que a sustentam até o presente. Isto gera uma tendenciosidade adversa de seleção, que faz da acupuntura uma opção destinada apenas aos pacientes que falham em responder a todos os outros métodos, podendo criar expectativas fantasiosas entre os pacientes.
Osteoartrite do joelho
Um importante estudo, envolvendo 570 pacientes, investigou o efeito da acupuntura sobre a osteoartrite do joelho. Foi constatado que além de aliviar a dor, o procedimento pode melhorar o movimento. Um estudo conduzido nos EUA, pelo NIH, concluiu que a acupuntura é efetiva como complemento do tratamento padrão. Pacientes que participaram do estudo receberam acupuntura, simulação de acupuntura ou orientação sobre autoajuda, em adição ao tratamento farmacológico padrão.
Estudos prévios sobre acupuntura para osteoartrite apresentaram resultados conflitantes. É possível que isto tenha ocorrido porque a maioria dos estudos incluiu amostras pequenas, número limitado de sessões de tratamento ou ainda outras limitações.
A melhora dos escores padrão de dor e de função tendeu mais a ocorrer nos grupos tratados com acupuntura tradicional e acupuntura simulada, do que no grupo que recebeu tratamento padrão (53 e 51% vs 29%, respectivamente).
No entanto, é possível que o efeito placebo tenha ocorrido aqui, porque melhoras similares foram observadas independentemente de as agulhas terem sido ou não inseridas nos pontos de acupuntura definidos.
Dor cervical crônica
Pesquisadores da Universidade de Southampton compararam tratamentos genuínos e simulados aplicados pelo mesmo terapeuta em 124 pacientes com dor crônica no pescoço, na faixa etária de 18 a 80 anos.
No decorrer de 12 semanas, os pacientes de ambos os grupos relataram uma diminuição superior a 60% dos níveis de dor. Isto pode implicar que a maioria da melhora obtida com a acupuntura não resulta do processo de colocação de agulhas em si, mas é predominantemente resultante dos poderosos efeitos inespecíficos que provavelmente são parte do processo de tratamento.
Lombalgia
Sobre lombalgia, uma revisão Cochrane relata:
Um total de 35 estudos controlados randomizados (ECRs) envolvendo 2.861 pacientes foram incluídos nesta revisão sistemática. As evidências existentes são insuficientes para fazer qualquer recomendação referente à acupuntura ou ao uso de agulhas a seco para tratamento da lombalgia aguda. Para a lombalgia crônica, os resultados mostram que a acupuntura é mais efetiva para aliviar a dor do que o não tratamento ou o tratamento simulado, em termos das medições realizadas em até 3 meses. Os resultados mostram ainda que, a curto prazo, a acupuntura é mais efetiva do que o não tratamento em termos de melhora da função na lombalgia. A acupuntura é menos efetiva do que outros tratamentos convencionais ou “alternativos”. Quando a acupuntura é adicionada a outras terapias convencionais, alivia a dor e melhora a função com mais eficácia do que cada terapia convencional isolada. Entretanto, os efeitos são modestos. O uso de agulhas a seco parece ser útil como adjuvante com outras terapias destinadas à lombalgia crônica.